017.SONE - Falando de nós


> Chegamos finalmente  a Sone em 6.Mar.70.
> Depois de 11 meses em Massangulo.
> Depois de viver em tendas, durante 6 meses, em Maniamba.
> Depois de mais 50 dias em Catur à espera da partida.

Mesmo junto à margem direita do Rio Zambeze, um rio enorme e caudaloso, cheio de ilhotas e ladeado de um ambiente extremamente verdejante, estávamos nós… sem objectivos nem operações de risco… que mais querias? 
Em verdade o nosso sonho era a praia! É bom sonhar!
A vivenda dos Furriéis está mesmo pertinho do rio, um pouco mais atrás edifícios maiores acomodavam os Cabos e Soldados e todos os outros serviços da companhia e, à entrada do aquartelamento, as vivendas dos Oficiais. Fixe!

Estamos de férias… já não era sem tempo!

Mas em breve nos separamos porque foi um Grupo para Canxixe e outro para Tambara. Ambos locais muito tranquilos também.
Cartas, banhos de sol, Laurentinas, boa comida, muita descontracção, muita despreocupação, etc. 
Muito bom! 
Descanso visual


Rio caudaloso e a sua correnteza,
Toda ele era a serenidade e a beleza.
 
 

O Rio Zambeze 
É portentoso aquele Rio Zambeze. 
Tem tanto de grandioso como de medonho dado o seu tamanho e correnteza. Há crocodilos (segundo dizem) pelo que não é aconselhável “molhar os pés”. Entretanto era aproveitado para banhos de sol e fotos na sua margem.

2020.05.22
Aqueles "operacionais" (Furriéis SILVA, CARVALHO e BALAGUEIRAS) não perdiam uma oportunidade para trabalhar para o "bronze"!
Toda aquela margem direita do rio Zambeze era muito aprazível e agradável à vista! 
Houve vezes sem conta em que me deslocava também até lá para, pela manhã, ver filas enormes de patos a voar rio acima numa "formação" típica, em fila indiana. Era um espetáculo imperdível !
Ao fim do dia passava-se o mesmo, mas em sentido inverso.
Ao cair da tarde, já em pleno lusco-fusco, saindo não sei donde, viam-se nuvens enormes de morcegos a caminho do seu trabalho de sobrevivência.
Algo me dizia que deveria haver por ali crocodilos. Nunca os vi. As pessoas diziam que sim. Certo, certo, era quando me aproximava da margem, devagarinho, de forma a fazer pouco ruído com os pés ao calcar as folhas secas, sentir que algo se lançava à água. Pelo barulho teria que ser coisa pequena. Se é que de facto alguma coisa havia !
SONE foi uma "estadia" para recordar com agrado !
O pior foi a inesperada deslocação para norte (Furancungo - Tete) que veio a seguir . . . e que atrapalhou todo um fim de Comissão . . .
Um abraço amigo do 
FERNANDO LOPES 



Acácio Tomás - Esta foto tirada no rio Zambeze, perto do nosso aquartelamento em SONE. Havia jacarés, mas as pessoas iam lavar a roupa, junto à margem. Por meio de um intérprete, perguntei se não tinha medo dos jacarés. Respondeu-me que não… naquele ano já tinha levado uma pessoa. 
Para eles a estatística contava!






As refeições 
Os graduados não estando em zona de guerra (designada 100%) tinham que pagar e gerir as suas refeições. Para tal contrataram um cozinheiro, o Sebastião, que tratava das suas refeições. Boa comida!
Carvalho, Gama, Pinela, Pinto, Filipe, Balagueiras e Agapito
Agapito, Lopes, Carvalho, Gama (metade)
A caça 
A sul do Rio Zambeze é uma privilegiada e abundante zona de caça. Os nossos amantes de caça, com a ajuda de polícias locais, fizeram algumas noites de caçada. Uma noite, sem lua, um grupo de companheiros, munidos de Mauser´s, G3 e um bom foco, caçou mais de 20 gazelas e 3 Impalas. Foi uma fartura de carne de óptima origem e qualidade. Todas as arcas e frigoríficos disponíveis foram utilizados para a conservação de tal riqueza alimentar. Todos, em geral, foram beneficiários desta rica caçada, que permitiu também abastecer muita gente no aldeamento.
Gazela
Impala
Ainda sobre carne é bom relembrar que, no aldeamento de Sone, se poderia comprar frangos a 7$50 e cabritos a 25$00. Naquele mesmo ano, na Metrópole, o frango custava 20$00/Kg e o cabrito cerca de 60$00/Kg. 
Fernando Carvalho -Lembro-me que durante muitos dias o nosso cozinheiro Sebastião servia-nos bifes de gazela ao pequeno almoço que acompanhávamos com uma Laurentina.

Acácio Tomás - Em relação à CAÇADA acima referida, queria dizer que foi a última e já em Agosto, pois estávamos próximos da rendição por outra Companhia. O pretexto invocado ao pedirem autorização para a realizar , foi de lhes deixar Carne, nas arcas frigoríficas. Os dois Polícias de Chemba que participaram ficaram com 6 gazelas e para o Quartel trouxeram as restantes 20 (vinte)!!! Foi um fartote ! Comíamos bifes de lombinho a todas as refeições!!! Mas esta caçada era, também, uma "desforra do bigode" que , poucos dias antes, os participantes tinham levado do Capitão, NA ÚNICA QUE ELE FEZ!!! O resultado foi: Capitão-3 GAZELAS; Sold.Condutor Américo Leite-1 COELHO vivo, agarrado à mão quando fugia, após ter servido de alvo para dezenas de tiros, na pista de aviação. Os restantes NÃO CAÇARAM NADA!!! Isto não é gabarolice de caçador, que não sou!!! Há muitas testemunhas, talvez esquecidas da vergonha por que passaram!!! ah!ah!


A psico 
Naquela zona os aldeamentos eram de pequena dimensão, quase familiares. Uma das nossas missões era visitar esses pequenos aldeamentos e conversar principalmente com os chefes. Durante a viagem várias paragens suscitavam umas fotos.
Nas viaturas cartazes publicitários sobre a nossa tropa e suas relações com as populações. Elemento importante nas visitas com viagens ao longo de caminhos de visibilidade cerrada.
Esplanada (sem serviço de mesa) junto ao Rio Zambeze. Carvalho e Costa.
O Carvalho a fumar no Zambeze (que elegância)


O Cunha 
Muito perto do aquartelamento pastava uma grande manada de bovinos (talvez 2.000 unidades) de grande porte e beleza. Um nativo adulto e um rapaz, com uns 10 anos, guardam aquela manada especialmente não permitindo a sua dispersão. Na margem do Rio Zambeze o pasto era abundante e naturalmente riquíssimo. O proprietário (Cunha) era um importante comerciante de carne na Beira. Periodicamente deslocava-se a Sone, na sua portentosa moto, para seleccionar os animais com destino àquela cidade. Normalmente ficava para o outro dia e ia ter com os furriéis e jogava cartas. Um dia soube-se que o Cunha pagava uma miséria (?) àqueles empregados que os furriéis entenderam tão injusto que decidem não receber mais aquele cavalheiro nas suas instalações. Um dia lá veio o homem para jogar cartas e foi informado daquela posição e dos motivos (talvez situações como esta tenham sido geradoras da revolta daquele povo)
No dia seguinte o seu empregado mais velho apresenta-se frente à vivenda dos furriéis com um vitelo (lindo!) dizendo: 
"O Sr.Cunha oferece este vitelo a vocês". 
Os furriéis reuniram e decidiram rejeitar tal oferta. 
O Cunha nunca mais voltou ao aquartelamento durante a nossa estada em Sone.
Belo animal (pai do vitelo)

As cobras -MAMBA NEGRA
Vamos primeiro situar a diversas ocorrencias com este "lindo" animal!


SONE “O Palácio do Comando e de perigosas lutas …” 
Na fotografia, da Cerimónia da Despedida de Sone com alguns Convidados e Esposas, por detrás do automóvel vê-se um edifício térreo, bastante dissimulado e algo triste, por melhores dias passados … Em frente da porta de entrada, havia uma caniçada (ou ramada).  
Nessa casa viveram o Capitão Acácio Tomás, o Alferes F. Gama Henriques, Esposa, Dª Vitória e filho Ruizinho (com menos de 2 anos); Alferes José Carlos Henriques, Alferes C. Ferreira Gomes e, esporadicamente, o Alferes C. Maldonado Neto. A faixa escura que se vê, na fachada, é a rede mosquiteira, feita de arame de malha fina. No interior do muro com essa rede, havia um passeio cimentado, duns 2,5 metros de largura, tanto na frente, como na face lateral esquerda. Era nele que tínhamos a sala de jantar e a sala de estar, com maple e sofá de napa já bastante usados. No quarto de banho, com chão cimentado e chuveiro de escoamento directo, havia um estrado de madeira.
Foi neste cenário que se desenrolaram “lutas”, tendo como protagonista o Alf. Gama Henriques e as tão temidas “Mambas-Negras“ … Tal como se fazia com as Operações, vou dar-lhes um nome: Cobra 1, Cobra 2, Cobra 3, etc… (A ordem pode não ser exacta …).

Cobra 1 - Um dia encontrava-me na Secretaria, a mais de 100m desta casa, envolvido na Guerra de papéis, quando senti três disparos de G3, com algum intervalo. Pedi a um militar para ver o que se passava. Disse-me que devia ter sido o Alf. Gama Henriques que atirou a um bando de galinhas do mato. Por estarmos próximos duma aldeia indígena, fiquei aborrecido, pois evitávamos sempre usar as armas, para não assustar e afugentar os habitantes. Chegado a casa, não foi preciso pedir-lhe contas perante a caça que lá tinha: Uma Mamba-Negra, com 2,2mt de comprimento. Estava numa das árvores que rodeavam a casa!

Cobra 2- Outro dia estávamos a almoçar e vimos um nativo a caminhar no meio do capim, por um trilho que nós não víamos. Num repente, virou para trás e começou a correr o mais que podia… Passados uns minutos vimo-lo pela picada, a caminhar normalmente… Embora suspeitasse do que tinha acontecido, pedi ao mainato para lhe ir perguntar. A resposta foi: Mamba–Negra.

Cobra 3 – Outra vez ia o Alf. Gama Henriques a sair de casa e notou que “uma cana” estava a mexer e quase a cair da ramada …Voltou atrás, foi buscar uma vassoura e lá foi mais uma Mamba–Negra.

Cobra 4 – O Ruizinho (2 anos) gostava muito de tomar banho de chuveiro, pois a água estava sempre quentinha. Um dia, depois do banho dele, entrou o pai (Alf. Gama Henriques) para tomar o seu. Estava em cima do estrado e pareceu-lhe ver qualquer coisa a mexer, por baixo dele. Foi à cozinha buscar a vassoura e lá foi ela, mas antes foi a Mamba–Negra.


Cobra 5 – Estávamos nos últimos dias de Julho/70 e eu resolvi ir visitar o Alf. Ferreira Gomes e o pessoal do seu Pelotão ao destacamento de TAMBARA, a 120km. Pelo caminho, junto a um grupo de palhotas (poucas) vi uns indígenas, um dos quais era o Chefe (Chemba?). Cumprimentei-o e com ajuda dum intérprete, conversei com ele. Ofereceu-me um ovo (para ele valia tanto como um frango!). Melhor que isso, indicou-me um embondeiro onde estava gravada uma mensagem de David Livingstone (1855?). Dizia que ele e seus acompanhantes tinham ali acampado, instalados na caverna cavada no tronco da dita árvore. Eu ia a entrar, mas vi que estava ocupada! … Era pequena, mas chegava para a encher. Era outra Mamba-Negra. Esta ficou em sossego …

Cobra 6 – Depois de estar em Tambara, regressava a SONE, num Jeep com o condutor e dois militares armados. Já tínhamos passado por “montes de fezes” de Elefantes e a certa altura vi uma espécie de tronco grosso, maior que um braço e que tinha movimentos… Julgo que era uma cobra que estaria a engolir algum coelho… Mandei parar o Jeep, pedi uma espingarda e dei-lhe um tiro. O que lá estava evaporou-se! Ainda parámos a procurar se havia algum vestígio, mas não vi nada. Li há poucos dias que elas são muito rápidas a reagir e a fugir atingem 20 km/h!!
Nota: Foi depois desta paragem que, mais adiante, encontrei um nosso Jeep que vinha ao meu encontro para me entregar uma Mensagem Urgente. Era uma Ordem para uma Operação. Falarei disso depois, de relatar a…

Cobra 7 – Esta é para mim a mais arrepiante! Mas fiquem à vontade porque eu não tive medo nenhum (?) desta Cobra, que é das mais venenosas de África e dormi com ela no quarto! Ah valente! Nada disso … Eu não sabia que ela lá estavaMedo tive depois… Para avaliarem o perigo que corri, se fosse mordido por ela numa perna, sem tratamento, morreria em menos de 4 h e se fosse mordido na cara ou no peito, teria 20 minutos de vida. (Retirado da Wikipédia). Troquei de quarto com o Alf.Gama Henriques. Mal tinha começado a troca o Alf. Gama Henriques veio dizer-me que eu tinha tido companhia e que “uma senhora” que tinha feito “streep tease” no meu quarto! E, segundo o mainato, teria sido há poucos minutos… Ela ainda estaria dentro de casa. Não fomos procurá-la. À noite, depois do Jantar, estávamos sentados na conversa, sentados, o Alf. Ferreira Gomes estava no sofá e o Gama Henriques, grita-lhe: - “Ferreira Gomes“ não te mexas… Foi à cozinha e lá foi outra vassoura e outra MAMBA–NEGRA!
Acácio Tomás

MAMBA NEGRA


Mamba-negra é uma das cobras mais venenosas do continente africano. Embora os seus alimentos preferidos sejam pequenos mamíferos e aves. A sua picadela, no ser humano, é simplesmente fatal e mortal podendo variar entre 20 minutos e 4 horas, dependendo do local picado. O seu tamanho varia de 2,5 mt a 4,5 mt. É a cobra mais rápida do mundo, capaz de se deslocar a 20 km/h. No entanto só usa essa velocidade para escapar do perigo e para atacar as suas presas.


Costa Pereira e Gama Henriques no Rio Zambeze


Moura (condutor)
Agora que estamos em Sone, ao falarmos do Rio Zambeze, recorda-nos um acidente gravíssimo ocorrido neste rio em 21 Junho 1969. 
Por coincidência, no mesmo dia que saímos de Massangulo para Catur. 
21 de Junho de 1969 - O afundamento do batelão 'São Martinho' 
que causou a morte a mais de 100 Militares.

NOTA:
O texto sobre este naufrágio, as fotos e o testemunho do nosso companheiro Moura constam da página 06.MASSANGULO-Falando de nós dado que este acontecimento coincide com a nossa presença no Niassa (Massangulo, Maniamba)


Histórias e comentários 
Fernando Lopes - Abordado por carta por um grande amigo meu, já falecido, no sentido de o informar quais as necessidades que eu julgava serem mais prementes nas populações por onde a C.Caç.2418 andava, depois de alguma ponderação com amigos da Companhia, informei que me condoía bastante ver as pessoas sem grande roupa e, a pouca que usavam, por vezes rota e bem rota, já que não havia possibilidades económicas nem de outro jaez para fazer face a tais necessidades.
Perante isso, com a colaboração da minha mãe (quero mencioná-lo) foram compradas nas lojas e feira semanal, em Braga, várias peças de roupa para ambos os sexos e para criança.
Assim, passado algum tempo, chegaram a Sone vários sacos/encomendas contendo tais peças de vestuário.
Com a ajuda do Fur.Filipe que disponibilizou uma viatura, fomos à povoação de Sone com a presença do seu chefe, e fizemos a distribuição das referidas peças de roupa.
Foi com agrado e satisfação interior que vimos o contentamento das pessoas que foram contempladas pela generosidade do meu amigo, entretanto, como disse, já falecido (08.07.2015)

Fernando Lopes -  Em Sone, o Fur.Filipe (mecânico) socorrendo-se da sua competência, habilidade e entusiasmo, vendo que havia no quartel um Jeep (civil) todo desmontado e abandonado, decidiu reunir todas aquelas peças e montá-las de novo pondo-o a trabalhar.
Deu para alguns andarem a conduzir os seus primeiros metros de carro. Foi engraçado ver a “perícia” de alguns pretendentes a condutores de F1.
Lembro-me que só tinha 3 velocidades e que a 1ª ficava ao lado da marcha-atrás. A atrapalhação de alguns era tal que a certa altura a viatura que ia para a frente, de repente começava a andar para trás. Parece impossível, mas foi verdade. Era de rir! . . . (08.07.2015)

Fernando Carvalho - Sobre esta "cena" do jeep eu fui um dos beneficiados desta iniciativa do Filipe, pois aprendi a conduzir e lembro que nas primeiras aulas de condução, para obter a carta (já em Gaia), o instrutor só utilizou umas 3 aulas no ensino de condução (as restantes foram utilizadas dias antes do exame). Creio que o Filipe teve que comprar algumas peças e nós participamos nas despesas da recuperação definitiva do dito Jeep. Momentos muito interessantes em Sone onde a tranquilidade era permanente. (09.07.2015)


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