014.CATUR - Voltamos

5 Janeiro 1970

    Deixamos Maniamba, local de muito trabalho operacional e uma Operação com resultados dramáticos para a nossa história, e regressamos a Catur agora ocupado pelo B.Caç.2895 e dependemos deste nos aspectos Operacional, Administrativo e Disciplinar.

    Iniciámos a viagem, que desejávamos tranquila, entre Maniamba e Catur, uns 200 kms. 
   Fomos integrados numa enorme coluna, de viaturas civis e militares, sob o comando da 3ª Companhia de Transportes. No troço entre Maniamba e Vila Cabral -90 Kms-  reencontrámos as enormes “crateras” resultantes dos frequentes rebentamentos de minas. Percorridos cerca de 45 Kms, perto de Cantina Dias, um som estrondoso, do rebentamento de uma mina, estremece toda a picada e lembra-nos momentos dolorosos, por nós vividos, numa operação em Maniamba. A primeira viatura, uma Berliet “rebenta minas”, apenas com dois militares e carregada de sacos de areia, accionou uma mina e nasceu uma nova “cratera”. Felizmente não resultaram feridos… apenas mais uma viatura para a sucata.  
“As minas”: a arma mais mortífera usada pelo o nosso inimigo.

    Chegados a Catur, que sabíamos seria por pouco tempo, entraríamos numa fase de repouso aguardando a saída para a próxima localização - SONE, no distrito de Sofala e junto ao Rio Zambeze.

MALDONADO NETO - Terminado o tempo de intervenção na serra Jéci, com arraiais montados em Maniamba, a C.Caç.2418, após ter cumprido ano e meio em zona 100%, recebeu guias de marcha para Sone. Saindo de Maniamba em 5 de Janeiro de 1970, permanecemos no Catur cerca de um mês e meio.  

O aquartelamento, que instalava agora o B.Caç.2895 e a sua C.C.S. (Companhia de Comando e Serviços), era também ocupado por uma Companhia operacional. Um complexo com 18 casernas em zinco, tendo cerca de 120m2 cada. Sem qualquer protecção ou isolamento estes espaços eram autênticos fornos especialmente nos dias de maior calor. Curiosamente durante o período em que estivemos aqui instalados as temperaturas não foram elevadas e por isso foi bastante suportável viver dentro destas “latas”. Sobre esta estrutura opinavam os nossos companheiros do B.Caç.1936: “A chapa de zinco podia parecer desconfortável, mas essa impressão, na prática, era só aparente, porque o clima daquele planalto não castigava. Chegava, até, a ser mais incómodo o frio na época do cacimbo do que o calor, que mesmo na época da chuva não castigava assim tanto que nos impedisse de trabalhar com o necessário conforto."


(B.Caç.1936)
Os grandes motores daquele local eram a Estação e o Comboio. Às 5ªs e domingos era um corrupio de pessoal e grande azafama quer dos militares quer das populações. Nestes dias chegavam os abastecimentos, normalmente provenientes de Nacala/Nampula, destinados a todas as unidades instaladas naquela zona do Niassa, assim como aos comerciantes da mesma zona.
Fazia parte da composição uma (interessante) carruagem restaurante onde, os mais endinheirados, se banqueteavam de marisco e outros alimentos de escasso acesso nos nossos aquartelamentos. 
À composição era sempre adicionada, na frente, uma auto metralhadora na estação de Belém e no mesmo local era retirada, quando no regresso a Nampula/Nacala. Não chegamos a conhecer qualquer situação em que tivesse sido necessária aquela arma.

Outras vistas da estação:
Foto do B.Caç.1936
Foto do B.Caç.1936
 Vista aérea do aquartelamento, estação e aldeamento
Foto do B.Caç.1936
O pequeno aldeamento, que poderemos dizer "mal arrumado", completava o cenário daquela localidade




Entre as poucas operações realizadas ocupávamos os tempos dentro de casernas de chapa (autênticos fornos durante o dia).
Aqui um jogo de paciência "Crapô" entre campeões e com espectadores.
Concentração no jogo e o cigarro suportado com elegância. 

O por do sol, o posto de vigilância, o arame farpado.
Momentos de beleza envolvendo sistemas de protecção e segurança.



Ainda sem data conhecida, para a nossa saída rumo a Sone, fomos encarregados de uma série de operações especialmente de controlo e vigilância ao longo da linha de comboio, entre Catur e Vila Cabral, troço já concluído ou em fase de conclusão naquela data.
Nas diversas operações, encontramos postos de segurança e vigilância permanente, ao longo da linha, compostos por um pequeno grupo de militares do Batalhão em Catur.

Era suposto, durante este período em Catur, usufruirmos de total descanso pelos seis meses de operação em Maniamba mas, o chefe de operações deste B.Caç.2895 sedento de visibilidade (sabe-se lá para quem), accionou diversas operações para a nossa companhia.

Numa das operações encontramos um aldeamento abandonado que, para não servir de abrigo ao inimigo, foi queimado gerando um espectáculo nocturno interessante.



Algumas notas dos últimos 50 dias em Catur

No regresso a Catur encontrámos outro Batalhão, o B.Caç.2895, cujo Comando, além de “checa”, era militarista ,rigoroso e até tinha policia militar com cassetete, revista para saída e exigência no trajar.  Pessoal de relacionamento pedante e arrogante.
Nada tinha de comparável com o B.Caç.1936.
Exemplos:
Pessoal chegado numa coluna de reabastecimento, de vários dias, foi expulso do Bar por ter as fardas e o rosto sujos.
Qualquer “confusão “ na povoação, os culpados eram os militares da 2418 - Os outros eram santinhos!
A C.Caç.2418 passou a ser um mau exemplo para aquela CCS, mas nós só queríamos descansar, depois de seis meses de Operações difíceis, perigosas, realizadas a mais de 40 km do acampamento, muitas vezes apeados, sempre com 2 GC ou mais e que duravam entre 60 e 72 horas, por vezes mais. Queríamos ir para o SUL … NAMACHA era nosso sonho!
Tentaram mandar-nos para o mato, mas não devem ter conseguido, pois estávamos em descanso.
Uma outra imagem snob do BC2895 foi o uso de duas companhias (com um ou dois grupos cada) nas operações para justificar a presença do Comandante e ele assinar os relatórios. Uma companhia fazia a operação junto à fronteira e a outra companhia, ficava muitos quilómetros atrás a proteger o comandante, médico, padre-fotógrafo e outros e até levava a ambulância para dormir (em quarto reservado).
Numa destas operações, com o mesmo aparato, mandou acender uma fogueira porque estava frio e a ambulância tinha sido usada para evacuar os feridos provocados por uma mina. 
Os próprios graduados contaram outras cenas interessantes! 
Esta mesma unidade também tinha um oficial de operações que julgava que os mapas, em Moçambique, tinham todos a mesma escala: Era 1/ 100.000, pelo que não era preciso verificar essa picuinha!!!
Estivemos pouco tempo nesta unidade mas deu para ver mais…
Num dia, uma Berliet da Companhia de Massangulo accionou uma mina muito perto do Quartel de Catur. Algum pessoal da C.Caç.2418 estava a jogar futebol. Ao som do rebentamento, mesmo em calções, de arma e cartucheiras foram assistir os feridos e trazê-los para o aquartelamento - alguns ficaram a guardar a viatura. O pessoal daquela CCS ainda não havia saído em socorro dos seus camaradas e nós a entrar com os feridos no aquartelamento. Essa viatura (minada) tinha ultrapassado uma coluna que regressava duma operação e tinha parado em Chamande. O seu Comandante viajando de jeep, antes de se inteirar do sucedido, olhou com reprovação, os trajes dos militares da 2418 que tomavam conta da viatura, em calções. Entretanto os feridos já estavam a ser assistidos na unidade.
No dia seguinte mandou formar toda a C.Caç.2418. Pensámos… aí vem a habitual rabecada! Mas não! Provavelmente por sugestão do seu 2º comandante, reconhecidamente sensato, o comandante agradeceu o nosso acto em socorro dos seus militares.
Depois do descanso fizemos algumas operações. O seu planeador (oficial de operações) que só conhecia a escala 1/100.000 planeava operações para fazer 45km em meio-dia (estando com uma carta de escala 1/250.000) e afirmava que a operação só tinha início quando o pessoal baixava das viaturas e terminava quando o pessoal entrava nas mesmas. Enfim! Tivemos que pedir a intervenção do 2º comandante do batalhão (o sensato) para o correcto planeamento das operações. Das diversas operações não foram registadas situações relevantes.
Resumindo: eram “checas” e algo mais!

Que saudades do B.Caç.1936! 

Acácio Tomás - As "anedotas" acima relatadas entre a C.Caç.2418 e o Comando do B.Caç.2895 não foram as únicas ... Eis outra, contada pelo Capitão da Companhia que nos substituiu em Massangulo, após uma reunião com o CMDT do Batalhão : - "Capitão, os INs costumam fugir, mas se isso não acontecer, então dispõe as tropas em QUADRADO e... TELEFONA-ME!!! ". Cá fora, esse Capitão diz para um dos seu Alferes : "-Vamos embora. Voltámos ao tempo de Aljubarrota !!!". Outra : Ouvi que no dia em que essa Companhia partiu do Catur -"convidou" dois Polícias da Unidade para o comboio (talvez para comerem camarões) e "esqueceu-se deles "fechados" no quarto de banho. Só se lembrou deles na estação de Belém! Se isto é verdadeiro, revela a consideração que lhes mereciam quem os comandava.
Acácio Gomes Tomás, CMDT da C.Caç 2418 - 10.05.2015
Saída prevista de Catur para Sone - 26 de Fevereiro de 1970.



INFORMAÇÃO:

Todos os comentários aqui registados serão integrados, posteriormente, no texto a que os mesmos se referem.
 

Sem comentários:

Enviar um comentário