031.DIA NEGRO-14.Ago.1969

14 Ago 69 (5ª feira) – Operação Sagres 3 

Como era habitual para todas as operações foi promovida, pelo Capitão Tomás, uma reunião com os Alferes a fim de serem planeados os pormenores desta operação.
A ordem foi emanada do Comando do Sector A, em Vila Cabral, via B.Caç.2853, em Macaloge, de que dependíamos operacionalmente. 
Nas instruções de operação estava claro que a nossa missão era a destruição da base de Maniamba (ia ficando muito mais vincado que não iríamos abandonar aquele local sem atingir este objectivo). Para tal foram convocados três Grupos de Combate sob o comando do Capitão Tomás.
Os nossos guias eram uma das mulheres e o rapaz,  capturados no dia 1 de Agosto. 
A problemática do transporte atingia, nesse momento, uma situação dramática. Para operações de grande envergadura, como era o caso, não dispúnhamos de viaturas suficientes para transportar todo o pessoal. A Companhia estacionada em Maniamba (C.Art.2495) emprestou-nos uma Berliet mas, mesmo assim, foi insuficiente para a deslocação de todo o pessoal nomeado para esta operação. Nessa reunião, a questão do transporte foi uma matéria preocupante e castradora da estratégia já definida. Chegou a ser aventada a não utilização de viaturas e a execução de operação apeada o que foi considerado inadequado devido à distância a percorrer, ao esforço que seria exigido ao pessoal e à necessidade do seu melhor estado físico no acto do assalto. Também foi considerado que o inimigo estaria muito mais atento às nossas incursões devido às capturas de que foram alvo nas últimas operações pelo que, apeados, poderíamos denunciar com muita antecipação a nossa aproximação e sermos um alvo fácil. Sem alternativa, foi definitivamente decidido o transporte do pessoal em duas fases. A primeira transportaria o pessoal de apoio e envolvimento do objectivo, a segunda transportaria o grupo de assalto e o Capitão. Também foi sugerido e aceite que o grupo de assalto (o 4º Grupo de Combate do Alferes Neto) regressaria apeado e por conta própria, sendo dispensada a sua recolha por viaturas.
Muito pessoal já estava nas viaturas quando foi colocada em prática a decisão tomada, resultando a retirada de algum pessoal, especialmente o do grupo de assalto, que seria transportado na segunda viagem.
Pelas 07h00 saiu a primeira coluna. 
Cerca de uma hora depois ouvimos um grande e assustador estrondo e logo pensámos: uma mina! 
Efectivamente foi uma mina com uma potência fabulosa, explodindo na roda traseira esquerda da segunda viatura (a emprestada e a que transportava mais pessoal) comandada pelo Furriel Balagueiras, que a elevou bem alto e a projectou para fora da picada, assim como a todo o pessoal que nela seguia. Os camaradas ocupantes da viatura foram projectados a muitos metros de altura caindo desamparadamente ou projectados a longa distância, alguns contra às árvores. De repente, fomos confrontados com mortos e feridos, alguns muito graves. A potência da mina poderá ser avaliada pelo facto de havermos encontrado pedaços do estrado e do pneu a cerca de 100 metros do local de rebentamento. O lugar lamacento, onde as viaturas tipicamente atascavam naquela época, camuflou a "instalação" daquela mina, numa pequena curva, que não foi tocada pelos primeiros rodados das viaturas. A sua potência estará relacionada com a adição de granadas de canhão sem recuo, idênticas às capturadas na Operação Koscina 2 ou das encontradas na mina, por nós desmontada, na Operação Fogo Preso. Foi enorme a cratera provocada por esta explosão, rondando os 3 metros de diâmetro e 1,5 de profundidade.








De imediato o pessoal, ainda aturdido mas sem ferimentos, improvisando e utilizando todos os recursos de apoio e enfermagem disponíveis, acomodou e accionou o transporte, com os Unimogs, dos feridos mais graves para o acampamento. Simultaneamente, o pessoal que aguardava a segunda viagem (entre eles o Capitão) iniciou diligências para ir ao encontro dos nossos camaradas. Ao cantineiro foi requisitada a sua camioneta e um mecânico nomeado condutor. Avançou um grupo para ajuda e tratamento do pessoal ferido. A meio da viagem, o Capitão cruzou-se com um Unimog, transportando feridos, e recebeu as primeiras informações da dimensão do acontecimento. Decide regressar no Unimog (enquanto a viatura do cantineiro prosseguiu até ao local da explosão) e foi ouvindo as manifestações arrepiantes de dor e desespero dos feridos que vinham naquela viatura, entre eles o Cabo Costa, que pedia para pararem a viatura e deixá-lo morrer ali… as dores eram insuportáveis. Um outro dizia que tinha sido lançado numa altura tal que parecia que nunca mais chegava ao chão. Era urgente accionar a recolha, por via aérea, dos feridos muito graves, pois era impraticável a hipótese de os transportar até Vila Cabral, que estava a 90 Km. O transporte aéreo não estava autorizado a transportar os mortos, mas conseguimos evacuá-los por esta via com o rótulo de “feridos gravíssimos", que faleceriam durante a viagem.
Entretanto, no aquartelamento, um armazém é transformado em enfermaria e morgue. O médico, da Companhia estacionada em Maniamba, entrou em acção e colaborou com os nossos enfermeiros no tratamento do pessoal ferido que ia chegando. 
O grupo que prosseguiu na camioneta do cantineiro, quando chegou ao local da mina, deparou-se com um estado psicológico geral extremamente abalado, pessoal apático e com pouca capacidade de intervenção. Era necessário estabilizar o pessoal e resolver os pendentes no local, dado que todos os feridos já haviam sido transportados para o aquartelamento. Um dos camaradas, morto, continuava no local. Sob o comando do Alferes Neto o 4º Grupo de Combate executou uma batida aos arredores para controlo estratégico do local. Este Grupo passou a noite, num monte à direita, para vigilância e segurança das viaturas. No dia seguinte foi preparada a remoção da viatura sinistrada e seu rebocamento. Utilizando recursos improvisados, a Secção Auto, coordenada pelo Furriel Filipe, conseguiu desbloquear o eixo traseiro da viatura sinistrada e rebocá-la até ao aquartelamento pela Berliet, que tinha ficado retida à frente, o que só foi possível já ao fim da tarde desse dia.

Com o resultado trágico de 3 mortos e 14 feridos, sendo quatro nativos.

3 mortos: 
1º Cabo António Leite COSTA
1º Cabo António Manuel FERREIRA
Soldado LINO Ribeiro da Silva 

14 feridos muito graves e graves (evacuados para Vila Cabral: 
Joaquim António, José J. Ribeiro, Alberto Reis, Joaquim Veloso, António Cunha, Manuel Lima e Silva, David Oliveira, Jaime Barbosa, Manuel Teixeira, David Vilas-Boas e 4 elementos da população local, contratados como carregadores.

Destes, quatro dos mais graves, foram evacuados mais tarde para a metrópole: 
Soldados; José J. Ribeiro, Joaquim António, Alberto dos Reis e Manuel Lima e Silva.

Foram também feridos, sem necessidade de evacuação: os Furriéis Balagueiras e Pinela e o 1º Cabo Mouta.

São muitos os testemunhos e as recordações daquele trágico momento. 
Foi uma catástrofe e um grande sofrimento para os que sobreviveram e para todos nós.
Sensações de impotência, raiva, desespero, vingança, sofrimento, etc., inundavam a nossa mente. As lágrimas não aliviavam a dor e o silêncio foi por muitos o escolhido. Os sucessos anteriores não nos prepararam para este momento.

A operação foi cancelada.

Nos quinze dias seguintes seguiu-se uma pausa, no contexto operacional, para recuperação física e emocional da Companhia e preparar o próximo passo: não podíamos parar!

Com este acontecimento ficou mais firme a pretensão do Comando do Sector A do Niassa, em Vila Cabral, que foi comentada na já referida reunião dos Oficiais: 
Nas instruções iniciais da operação estava claro que a nossa missão era a destruição da Base de Maniamba e ia ficando muito mais saliente que não poderíamos abandonar aquele local sem atingir este objectivo.


Comentários:

Fernando Santa - C.Cav.2415
Olá camaradas da 2418. Um forte abraço para todos.Como o tempo passa! Já lá vão 51 anos da nossa chegada à guerra. Ao fim de tantos anos relembramos o que passamos por lá. O bom e o mau.Caso deste texto que acabei de ler no vosso blog que ilustra bem por aquilo que passava-mos.Além de tudo o mais as minas eram o nosso grande inimigo. Nunca nos esqueceremos de tudo aquilo que passamos ao contrário dos nossos governantes que fazem orelhas moucas como nada tivesse existido.Depois destes anos todos, que os nossos camaradas que morreram estejam em paz, nós os vivos que tenhamos muita saúde e os que vieram deficientes que continuem a ter coragem para viver em paz já que os governantes não se interessam pelo seu estado.

Com um grande abraço: 
Santa da 2415 - 16Ago2019. 

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