018.SONE - Operacionalidade

Podemos afirmar que a operacionalidade a que estávamos habituados, no Niassa, não era exigida naquela zona de Sone, no entanto era obrigatória a visita aos pequenos aldeamentos em seu redor cujo objectivo era gerar contactos e relações de cortesia com as populações e em especial com o chefe de cada local oferecendo os nossos serviços e confirmando a inexistência de inimigos. Podemos nomear estes actos como de “psico” que aqui pretende significar “manter boas relações com o povo local”.
Segue exemplo:
exemplo de accões de psico no terreno

Acácio Tomás - Na fotografia publicada acima, como exemplo da "Psico", queria identificar, da esquerda para a direita, o Comandante do Batalhão da Beira ( de que dependíamos), Sr. Coronel Horácio Rodrigues; um intérprete; O Sr. Alferes Capelão do BC.16; outro intérprete e um Sr. Major do mesmo Batalhão. Não assisti a nenhuma acção Psico, nem foi requerida a presença de militares da 2418. Durante o almoço o Sr. Coronel Horácio Rodrigues disse-me que TINHAM AVISTADO, a poucas dezenas de metros da nossa posição, UMA LEOA a fugir no mato!!! ...a juntar às Mambas, agora tínhamos leoas... Como havia manadas de Bovinos e rebanhos de Cabras e Ovelhas, era muito provável o aparecimento dos "predadores" (27.07.2015)

Para além destas acções foram destacados Grupos de Combate, com as mesmas intenções, para as localidades de Canxixe (4ºGC) e Tambara (3ºGC), ambas a cerca de 120km de Sone, mas em diferentes direcções.


Depois da nossa missão em Furancungo (que falaremos mais à frente) foram-nos exigidas, por alguns dias, operações de vigilância ao longo da estrada entre Sone e Chemba (a caminho de Tambara) e também no comboio entre a Vila de Sena e Mutarara, assim como no percurso inverso. Segundo o nosso comando estas missões foram cumpridas (evidentemente) tendo sido manifestada de forma cordial, à hierarquia superior, a incompreensão de tal exigência não só pela insignificante acção estratégica como também pelo facto de estar a companhia a poucos dias do embarque para o seu regresso.


CANXIXE (130Km a sudoeste de Sone)
A unidade militar C.Caç.2418, com sede em Sone, tinha dois destacamentos; um em Tambara e outro em Canxixe. É sobre a estada no Canxixe que vou falar, pois foi esse o destino do meu grupo (OS BOINAS PRETAS).
A estada no Canxixe foi de pleno relax, mas como diz o ditado popular “não há bem que sempre dure nem mal que nunca acabe”. Faltavam pouco mais de dois meses, para o fim da comissão em Moçambique, e lá foi a C.Caç.2418 mobilizada para uma intervenção operacional ao norte de Tete, nas fronteiras com a Zâmbia e o Malawi e claro, lá vai também o grupo dos BOINAS PRETAS. Após este período, de mais de mês e meio, regressámos para Canxixe onde permanecemos até ao regresso a Lisboa.
As instalações no Canxixe eram muito precárias, num antigo armazém de algodão abandonado. O clima local extremamente seco e quente permitia naquela zona desenvolver produções agrícolas (algodão, tabaco, milho, amendoim, feijão) e criações pecuárias, sobretudo, de gado bovino e caprino. Naquela localidade vimos algumas casas de alvenaria, para comércio e habitação dos mais abastados, e palhotas que, desorganizadamente, formavam a povoação.

 

O nosso maior inimigo era a água contaminada de elevado risco devido à presença da bilharziose (*). Um militar tinha a missão exclusiva de ferver água utilizando dois caldeiros de 200 litros/cada. Depois de fervida e passada por filtragem podia ser utilizada na cozinha e duches. Para beber havia sempre à disposição cerveja e refrigerantes. 
(*)Bilharziose: Parasitas invisíveis a olho nu, as cercárias ficam livres na água e infectam quem se banhar nelas. Essa infecção pode até dar-se através de pele sã e intacta. O que provoca? Principalmente na bexiga – urina com sangue, lesão renal e predisposição para cancro da bexiga.

Na gestão alimentar este destacamento tinha completa autonomia o que nos permitiu usufruir de boas refeições. Fiz um acordo com o 1º Sarg.Pinto de modo que as verbas para alimentação fossem atribuídas parte em dinheiro e outra em géneros (farinha, vinho, conservas de fruta, etc.). Do vinho ninguém gostava; era vendido a um cantineiro. Com o produto desta venda e o numerário recebido comprávamos localmente outras bebidas (cerveja e refrigerantes), legumes e frutas, cabritos, frangos, ovos, até chegamos a comprar uma vitela. Com esta gestão conseguíamos ter uma alimentação de cinco estrelas. Os dois padeiros faziam um pão excelente. Era vulgar haver pratos de forno de cabrito ou vitela com batata ou arroz, caldeirada de cabrito, frango de churrasco… tudo com grande requinte. De vez em quando o bacalhau (único peixe acessível). A nossa gestão permitiu-nos ainda ter um rebanho de cerca de trinta cabritos e uma capoeira bem povoada.
As gentes daquela zona dedicavam-se à pecuária, agricultura e cultivo do algodão. Existia um posto administrativo chefiado pelo Adm. Ferreira da Silva, minas de fluorite em plena laboração, orientada pelo Eng. Mendes Alves e diversos comércios. Entre os comerciantes destaco o Sr.Karim (paquistanês) que me mostrou a sua enorme cultura de algodão, em plena floração e assim tive oportunidade de ver um espectáculo deslumbrante (o algodão florido).
Entre os militares e os civis as relações eram muito amistosas.
Já próximo da data da nossa partida fizemos um jantar de despedida com algumas destas pessoas, que ainda hoje recordo com saudade.
Carlos Maldonado Neto
 

Bem perto de nós as minas de fulorite. O FLURITE é um mineral composto de fluoreto de cálcio, de fácil fusão, usualmente encontrado em cristais transparentes ou translúcidos e de cor variável. É correntemente usado como componente de fusão na indústria do ferro e do alumínio, assim como nas do vidro, cerâmica e esmalte. É um material cristalino de grande variedade de cores e por isso também é usado em adereços/adornos especialmente místicos.




TAMBARA (120Km a noroeste de Sone) 

Na viagem de Sone para Tambara, passávamos por Chemba (circunscrição que pertencia a Tambara), a uns 25 Kms de Sone, depois por Chiramba, mais 50 Kms, mas ainda faltavam outros tantos para chegar a Tambara. Uma viagem ao longo do rio Zambeze, que passaria a ser nosso companheiro.

Tambara era um local muito isolado, quase esquecido. A região era de pradaria arborizada, com um coberto vegetal de herbáceas e floresta aberta. A densidade populacional era baixa, com a população dispersa em núcleos de estilo familiar. Alguma agricultura, de subsistência, como o feijão, mandioca, milho, e outros legumes. Alguma da população também tinha as suas machambas nas ilhas do grande Zambeze que tinha, na estação seca, uma largura de cerca de 2 Km, que aumentava para 5/6 Km na estação das chuvas. A caça e a pesca eram outros dos recursos daquelas gentes, assim como a criação de ovinos, caprinos e galináceos.            
E, como prova provada de que aquelas terras eram nossas, poucos eram os falantes de português. A língua local era o Sena.

Chegámos a Tambara já no fim da estação das chuvas, pelo que apanhámos um tempo relativamente ameno e sem demasiado calor. Situado num local levemente elevado e de boa visibilidade em redor, o destacamento, de modestas instalações, oferecia fracas condições. Sem electricidade, uma geleira a petróleo e iluminação a “petromax”. Quando chegámos, já tinha sido iniciada (pelo pessoal da C.Art. 2326) a construção de uma nova caserna, construção essa que foi continuada e completada pelo nosso pessoal e que, já a uso, foi inaugurada em 4 de Maio de 1970 com a presença do Sr. Administrador e do Cor. Horácio Rodrigues, do B.Caç.16, da Beira. A inauguração foi muito aplaudida!

A água também constituía um grave problema, pois não havia nascentes e, na época seca, os pequenos cursos de água ficavam secos. Para o nosso consumo e utilização geral a água era recolhida de um poço existente à beira do rio Zambeze, num aldeamento já com alguma dimensão, onde havia duas cantinas e pista de aviação. Um Unimog estava praticamente de serviço permanente no abastecimento de água.
Estaríamos ali pouco tempo… tínhamos de aguentar!
A Administração estava localizada no Forte Rainha D. Amélia (séc. XIX) – memória de antigas guerras –, no cimo de uma colina, a meio caminho entre o destacamento e o rio Zambeze. O Administrador, Sr. Gentil, era uma pessoa de bom carácter, estimado e respeitado pela população. Um bom Administrador, com quem mantivemos uma excelente relação, o que facilitou a nossa actividade, especialmente no apoio e ajuda à população.

Duas ou três vezes por semana saíamos à caça, de “Mauser”, na Reserva da Safrique. Carne fresca para nós e para a população, que nos respeitava e reconhecia na tropa um grande apoio, dada a nossa participação, partilha e disponibilidade.

Quando chegámos a Sone foi nomeado para Tambara o Furriel Rui Batista, sendo substituído, algumas semanas depois, pelo 3º GC - Alferes Ferreira Gomes. No período do deslocamento da maioria da nossa Companhia para Furancungo, o Furriel Batista é de novo destacado para Tambara (até ao fim da comissão) e, com pouco pessoal, o destacamento foi reforçado com um pelotão do recrutamento provincial, sob o comando do Furriel Luís.


Uma curiosidade cultural (2012)

Tambara está a registar um crescimento assinalável na produção pecuária tais como bovinos, suínos, ovinos e, em grande destaque, os caprinos que já terão atingido as 60.000 unidades e nas aves 40.000.
Curiosamente a população local não consome o produto da sua criação chegando a passar fome com os cabritos no curral. Hábitos locais desencorajam o consumo de carne caprina alegando ser causa de morte precoce. Por causa deste tabu, segundo o administrador, ninguém mata cabrito para comer em Tambara. A tradição local sugere que comer carne caprina ou de qualquer quadrúpede doméstico provoca azar e pode causar a morte, sobretudo em crianças. As famílias não os comem e não os vendem para, através do dinheiro, comprar os alimentos de que necessitam. Debaixo da fome, nudez e a viver em pobreza extrema, os criadores de Tambara orgulham-se de acordar e ver as matas circunvizinhas das suas palhotas, repletas dos seus cabritos. A única carne sem impedimentos tradicionais é a de galinha, embora os seus ovos sejam igualmente proibidos de comer, alegadamente, porque influenciam negativamente na maturidade sexual dos adolescentes e jovens.




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