020.SONE a CHAVES

SONE
Finalmente chegamos ao fim desta guerra e desta aventura que transtornou a nossa juventude num dos momentos de maior potencial da nossa existência. A nossa entrega, o nosso empenho, as nossas missões, os nossos mortos e feridos, os sacrifícios, os medos e tantos outros estados foram vividos. Agora, que vamos voltar às nossas origens, sentimos a necessidade de perguntar: TUDO ISTO PARA QUÊ?
A ânsia do regresso não se detém à espera da resposta.
O tempo responderá!
Queremos regressar.
Queremos voltar para os braços da nossa família.
Queremos respirar no nosso berço, na nossa terra.
Isto não é nosso!



Alguns dias antes do embarque somos visitados por altas patentes militares do Batalhão de Caçadores 16 e outras individualidades, vindos da Beira. Os cumprimentos, os elogios protocolares, os blá blá habituais, a missa e o almoço foram o toque final para o nosso regresso (já estava a ficar tarde!).

Saímos de Sone dia 21.Ago.70 pelas 20h00, rumo à estação de Vila de Sena. O comboio partiu às 22h00 e chegou à Beira, no dia seguinte, pelas 9h00. 
Estação da Beira
NIASSA
22.Ago.1970
O NIASSA... ali mesmo à nossa espera (de mau aspecto).
Ao embarcar reparamos de imediato que as condições nada tinham de parecido com o Vera Cruz mas, em boa verdade, isso nem era importante naquele momento. Importante era ir para casa… qualquer transporte servia. No embarque reencontramos companheiros, de outras companhias, também eles com o mesmo anseio do regresso.
O Niassa partiu ao fim da tarde rumo a Porto Amélia. No dia seguinte pudemos admirar, maravilhados, aquela enorme baía. Retomamos a viagem rumo a Lourenço Marques, onde era suposto chegar no dia 24.Ago.70.

Comentários 
Acácio Tomás - Uma curiosidade: Julgo que ainda não tínhamos partido, ouço pelos altifalantes uma chamada para me apresentar na Cabine do Comando onde estava um " familiar ". Era o Piloto da Barra que iria orientar as manobras até à saída do porto. Assim tive umas vistas privilegiadas. Pena já ser noite. O Piloto tinha um irmão casado com uma minha prima e eu tinha estado com ele lá na Beira. 

Comentários (45 anos depois)
Fernando Carvalho - Estava a terminar o período, tão longo e muitas vezes penoso, que nos afastou das nossas famílias e razies. Agora uns dias mais e estaríamos de regresso para retomar um ritmo de vida que ficou suspenso por 3 anos.. a tropa e a guerra. Mais de 20 dias ainda nos separam do nosso tão desejado desfecho. Este "casco" do Niassa servia para os nossos intentos. (22/8/2015)

Conforme o previsto atracamos no dia 24.Ago.70 em Lourenço Marques.
Tivemos algum tempo para passear por esta bela cidade.
Alguns vestidos à civil iam ensaiando o facto de largar a obrigatoriedade da farda e a obrigação militar ia desaparecendo.
 


 Depois do passeio o regresso para o NIASSA.

 Recomeçava a viagem...
Costa da África do Sul
Comentários 
Acácio Tomás - Depois de sairmos de Lourenço Marques, tive de fazer de Oficial de Dia ao Navio, quando já íamos na zona do CABO, bem no sul de África. A ondulação era tremenda. Mais de metade das mesas estavam vazias. Os refeitórios ficavam nos porões das pontes, onde se sentia mais a ondulação por subirem mais. Nem sei como me aguentei sem vomitar. 

Fernando Carvalho Niassa: o barco dos vómitos. Uma casca de noz que balouçava à mínima ondulação. Lembro que os soldados e cabos estavam "arrumados" nos porões como se de animais se tratasse. No local de refeições (proa) os pratos deslizavam nas mesas ao sabor dos solavancos provocados pelas ondulações. Simplesmente desagradável e "intragável"!

Na costa da África do Sul

Há um misto de alegria e tristeza nesta viagem... parece incompreensível. Parece que estamos a fazer a mesma viagem de ida para Moçambique porque estamos cabisbaixos e nostálgicos, estados que são visíveis nos nossos rostos. Este estado de espírito pode estar relacionado com o navio porque a viagem é muito má, porque o navio balança muito, há enjoos e enjoados por todo o lado, ninguém consegue comer ou quando come… vai fora. Será por isto a nossa nostalgia? Por outro lado soubemos que este navio demorará mais 5 dias que o Vera Cruz. Todo este mau estar até nos faz esquecer que é a nossa viagem de regresso a casa e voltar à nossa família.
Devíamos estar FELIZES! Então pessoal? Toca a arribar!
Fala-se que chegaremos no dia 16 a Lisboa e que o Niassa ainda vai passar por Moçamedes, Luanda e Madeira. Uf!

Comentários (45 anos depois)
Fernando Carvalho - Lembro que o Niassa era aquilo a que se chamaria "um velho casco" ou "uma casca de noz". Também recordo, com a função de Sargento de Dia, de estar no refeitório localizado no porão da proa (ao almoço) e de ver a maior parte das mesas vazias e, nas ocupadas, o jogo difícil de manter o prato, o copo e o pão estáveis para poder fazer a refeição. Duas mãos não eram bastantes para contrariar o deslizamento constante daqueles materiais. O barco balouçava constantemente! Impossível não enjoar! Provavelmente foram estas condições da viagem que se sobrepuseram à alegria que deveríamos sentir pelo regresso tão desejado. Naquele momento LISBOA era o destino mais desejado... e ainda estava longa. (27/8/2015)

Fernando Lopes - Que bem! É de cronista. Parabéns e um abraço. (27/8/2015)

Carlos Neto - O Cabo das Tormentas foi para nós o Cabo da Liberdade, quando regressávamos no Niassa . (27/8/2015)


Moçâmedes- Edifício do Governo
Maçâmedes à beira mar.
Moçâmedes 
O barco esteve atracado 24horas e pudemos assistir ao carregamento, quase sem interrupções, de carne congelada com destino a Lisboa.
Aproveitamos para visitar a cidade que, sendo pequena, tinha um ar muito simpático e muito europeu. Todo o comércio visível estava dirigido por pessoal da metrópole. Fomos bem recebidos a atendidos nos diversos locais visitados, especialmente os bares.

Comentários (45 anos depois)
Fernando Carvalho - Já passaram 45 anos, quando aportamos em Moçâmedes o nosso "hotel flutuante" chamado Niassa. Durante longas horas assistimos à entrada, no navio, de carne congelada, em peças bem volumosas, carregadas aos ombros de umas boas dezenas de homens que, em andamento consecutivo, pareciam formigas alimentando o seu formigueiro... foi impressionante! Entretanto fomos visitando aquela pequena cidade, vimos as praias, alguns locais mais centrais e encontramos um Bar onde, entre conversas, se beberam umas cervejas acompanhadas de abundante marisco, especialmente camarão. (1/9/2015)

Acácio Tomás - Pois, o marisco foi "tão abundante" para alguns... que não chegou para muitos outros... esgotou! E a cerveja fresca também! Então houve tempo para dar umas voltas e comprar uns bonitos postais ilustrados, como o da amostra junta! Entretanto continuava a carga de carne. Ouvi falar de 800 toneladas! (1/9/2015)

Carlos Neto - Uma cidade muito bonita Moçâmedes. Pequena mas muito asseada, gostei muito de conhecer. Estivemos nem sequer um dia, apenas o tempo necessário para o Niassa receber carga para os porões, salvo erro abastecimento de carne. (2/9/2015)

Baía de Luanda
 
 

Por do sol na baía de Luanda
Luanda
De novo nesta cidade. Já se sente a alegria da aproximação ao nosso destino. O próximo passo será o Funchal onde sairão militares de uma companhia local.

Comentários (45 anos depois)
Fernando Carvalho - Ainda em Angola, agora em Luanda. Foi uma paragem relativamente curta que, segundo creio, se destinou a receber uma companhia com destino ao Funchal. Deu tempo para algum passeio ao longo da baía. Belo local, especialmente pelas imagens tranquilas, serenas e suaves, de um mar que mais parecia um lago. Lembro de ver pequenas traineiras a descarregar pescado e a azafama dos vários intervenientes naquele trabalho. (2/9/2015)


Tudo isto há 45 anos. Como será agora? Mas nequele local e naquela data podíamos dizer "estamos mais perto... e o Niassa já não era tão desesperante".

FUNCHAL
Madeira - Funchal


Comentários
Acácio Tomás - Já vínhamos fartos do mar, mesmo tendo como distracção o espectáculo dos "peixes voadores". Quando foi anunciado que iríamos parar, no dia seguinte, o pessoal dormiu pouco. Paragem no Funchal para saída de uma companhia que também viajou no Niassa.

Comentários (45 anos depois)
Fernando Carvalho - Lembro que há 45 anos, neste 11 de Setembro, estive pela 1ª vez no Funchal. Esta foto é a única que consta da colecção da nossa C.Caç.2418 e nela está o Nando (como era lindo há 45 anos), na rotunda que antecede o jardim e palácio do governador, com o barrete típico enfiado na cabeça e já com um ar bem mais disposto... faltavam DOIS dias para chegar a Lisboa. Que "seca". (11/9/2015)

Manuel Costa (amigo da 2418) - Bela terra e boa gente. Nessa "Pérola do Atlântico" passei 40 meses em duas comissões de serviço. (11/9/2015)

José Diegues - Eu tive a honra de visitar o Funchal duas vezes. Outubro de 1968 viagem para Moçambique a bordo do Niassa e 7 Janeiro 1971 de regresso a Lisboa, com o João da arrecadação de material. Esta viagem de regresso foi um cruzeiro inolvidável a bordo do navio Angola. Que viagem: Durban, Cap Town, Lobito, Luanda, S.Tomé e Príncipe, Gran Canária e Funchal. (11/9/2015)

Carlos Neto - Já estávamos prestes a abraçar o Cristo rei (12/9/2015)

São 7h00 da manhã de dia 16 de Setembro de 1970.
Só agora começa a sentir-se o cheiro do nosso solo, das nossas raízes.
O barco muito lentamente (lento demais para o nosso gosto) vai deslizando no Tejo.
Já vemos a ponte...
Já vemos o cais.
O barco inclina um pouco... todos à esquerda (bombordo) na tentativa de encontrar alguém da sua família que o espera.
Ena pá!
São centenas... é muito difícil distinguir mesmo o que é "nosso".
Estamos perto... está quase!


Que emoção!
Onde está a minha namorada, a minha mulher, a minha mãe e o meu pai... onde estão?
Que confusão!
FINALMENTE, de novo juntos!
Finalmente cada um encontra a família que o espera. Que felicidade!
Ainda falta chegar ao quartel de Chaves mas agora tudo é mais fácil porque já estamos na nossa casa.

ATENÇÃO companhia - todos juntos. 
Vamos nas viaturas para a estação de Santa Apolónia.
Estação de Santa Apolónia
Agora a penosa viagem até Chaves. Chegaremos de madrugada.
Tenham calma está quase!
Estação CP em Chaves
Chegamos às 3h00 da manhã dia dia 17.Set.70
Da estação ao quartel é um bom estiraço (cerca de 1Km).
Não havia vivalma à nossa espera. 
O comando daquele quartel, sem sombra de dúvida, tinha conhecimento da nossa chegada mas, pela ausência de transporte para a nossa companhia, entre a estação e o quartel, poderíamos deduzir que não nos ligaram patavina!
Um comandante de "caca"?
Alguns militares foram a pé até ao quartel para avisar da nossa chegada. Talvez uma hora depois chegaram viaturas.

A entrega do espólio demorou mais tempo do que o desejado e, mais uma vez, o Comandante daquela unidade ignorou a nossa presença e saiu do quartel sem cumprimentar a nossa Companhia, que representou aquele Batalhão em Moçambique, nem sequer o nosso Capitão e, ainda pior, não deixou as guias de marcha assinadas, obrigando o Capitão Tomás e o Furriel Lopes a pernoitar naquela unidade.

Foi o agradecimento pelo nosso trabalho no ultramar representando aquela unidade?


Quartel de Chaves

Era necessário fazer a entrega dos materiais pertencentes ao exército (o espólio) e para isso, muito cedo, chegaram os militares encarregados de receber, de cada um de nós, os materiais de entrega obrigatória. 
Esta situação não correu bem para todos. 
Por fim, já à civil, ADEUS QUE ME VOU EMBORA!
Cada um regressou ao seu berço. 

Comentários
Acácio Tomás - Tenho razões de queixa de quem Comandou o BC10/Chaves onde a C.Caç.2418 foi formada, que recebendo cópia das nossas Ordens do Dia, relatando os factos ocorridos (sucessos e insucessos), NUNCA teve tempo, durante dois anos, para nos mandar uma simples mensagem! E o seu comportamento à nossa chegada à estação, cerca das 3h00 da manhã, sem ninguém à nossa espera e ter sido necessário um grupo de voluntários ir ao quartel avisar o Oficial de Dia para acordar os Condutores e ir buscar-nos. Para rematar, no final do dia, deixou sair o 1º Sargento, da unidade local, que tratou do espólio das Praças e não me deixou sair nem ao Fernando Lopes! Devia estar com medo que eu pregasse o calote dos escudos que as Praças tinham de pagar (e por quem eu tinha assumido o pagamento). Nada o demoveu, tive de mandar embora uns cunhados que, do Porto, me tinham ido buscar. Pouco dormi e até chorei de raiva. Essa a razão que me levou a jurar que nunca lá voltaria, apesar das pessoas não serem as mesmas. Um abraço do amigo, Acácio Tomás 
 
25 anos depois...
encontramo-nos em Vila de Conde. 
 


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