003.LISBOA a MASSANGULO

O EMBARQUE - LISBOA – Cais da Rocha de Conde d’Óbidos

23 JUL 1968
Esperava-nos o paquete monumental VERA CRUZ, que parecia convidar-nos a entrar. Arrumamos as bagagens nas respectivas cabines e voltamos a sair para o desfile da praxe. 
O paquete Vera Cruz partiu às 12h00. 
Gritos e choros desesperados soavam em todo o cais. 
Tristeza e lágrimas da proa à ré do navio. 
Braços, lenços, bandeiras, tudo era utilizado para acenar naquela difícil despedida. 
O cais ficava cada vez mais longe. 
As nossas mentes silenciosamente balançavam entre os que ficaram no cais e o nosso futuro incerto.




VERA CRUZ
Este paquete levou-nos para Moçambique. 
Partiu de Lisboa no dia 23 de Julho de 1968 e chegou a Nacala no dia 13 de Agosto de 1968. 
Foi construído em 1950 para o transporte de passageiros, especialmente para Argentina, Cuba e, mais tarde, na rota de África. 
No início da Guerra Colonial foi adaptado e destinado ao transporte de tropas para África, até 1972. A 1ª classe era destinada aos oficiais superiores, a 2ª classe aos oficiais subalternos e sargentos, a 3ª para cabos e praças sendo que estes, por falta de cabines, também eram “acondicionados” ao longo dos corredores nesta mesma classe. 
O Vera Cruz foi vendido e rumou à China em 1973. 


Ferreira da Silva - A minha primeira longa viagem por mar, era um luxo, parecia que íamos de férias… mas a história era outra.

ATomás- Embora contrariado, gostei da viagem em que pela 1ª vez atravessei o Equador. Não agradou nada a passagem para o Oceano Índico, pois na zona do Cabo havia muita gente, na borda e não era a apreciar a paisagem.




LUANDA - 01Ago68
Um dia em Luanda. Alguns nem tiveram oportunidade para ver a cidade (ficaram de serviço). Os que tiveram essa oportunidade beberam uma cerveja, acompanhada de camarão pequeno (grátis) e puderam ver uma cidade muito dinâmica, muito activa, viaturas e pessoas num rodopiar intenso, mas parecendo ignorar a existência da guerra.







LOURENÇO MARQUES - 08Ago68
Cidade muito interessante, fresca e moderna. 
O nosso tempo foi imediatamente tomado pela concentração de todos os militares do navio, na praça da catedral, para o desfile da praxe e regresso ao navio. Não houve tempo para sentir o pulsar daquela cidade, estranhamente com o trânsito pela esquerda, mas era visível uma descontracção e sensação de bem-estar nos habitantes. Chocante foi sua indiferença enquanto desfilávamos… pois a guerra estava a 2.000 km!






Na viagem entre Luanda e Lourenço Marques o Cap. Acácio Tomás, esteve de serviço de Oficial de Dia ao navio. Assistia às refeições nos porões, da proa e da popa, onde havia pouquíssima frequência, devido aos enjoos provocados pela agitação que aí se sentia. À noite teve a sua primeira "acção de risco": um soldado “tresloucado” e armado começou a causar distúrbios. O Comandante da Guarda tentou reter o militar porém foi o Cap. Riquito (C.Caç.2419) que, estando por perto e sendo mais experiente, o ajudou a solucionar o problema. O militar foi desarmado e metido num “camarote privativo” até Lourenço Marques.



NACALA A MASSANGULO
A C.Caç.2418 chegou ao porto de Nacala a 13 Agosto 1968. 
Fomos transportados até à estação. O comboio iniciou a marcha pelas 18h30 rumo a Catur, com passagem por Nampula, Ribaué e Nova Freixo (actual Cuamba). Todos, numa só carruagem - parecia sardinha em lata. Dormia-se em qualquer lugar e de qualquer maneira. Antes de chegar a Nova Freixo o comboio não aguentou uma subida e teve que recuar para tomar balanço, por 3 vezes… e à 3ª foi de vez! Chegamos a Nova Freixo no dia seguinte (14) às 20h00, depois de 550 Km. Deram-nos sopa e vinho. Dormimos uma vez mais na carruagem. Partimos às 4h30 do dia seguinte (15). Um pouco à frente, em Belêm, juntou-se uma carcaça com autometralhadora, para segurança ao restante troço da viagem e foram distribuídas munições a todos militares. Numa outra subida o comboio não aguentou. A composição foi dividida, transportada em duas partes e unidas mais à frente. O problema não ficou por aqui. Mais uma subida… mais outra paragem. Sem hipótese de continuar veio uma máquina de Catur para poder fazer o resto do percurso. Finalmente, com mais 220 Km em cima, chegamos a Catur (actual Itepela e na época o fim de linha dos caminhos de ferro no Niassa). 
Resumindo: de Nacala a Catur, 48 horas, cerca de 770 Km e duas noites “dormidas” naquela carruagem. 
Da estação era visível o quartel de Catur. 
Seguiu-se uma viagem de cerca de 25 Km em direcção a Massangulo; nosso destino e base operacional mais de 10 meses.








Fernando Lopes - É com imenso agrado e prazer que venho seguindo a história da nossa C. Caç. 2418, tão bem descrita pelo nosso cronista "Fernão Lopes", digo, Fernando Carvalho. Um bem haja pelo cuidado, esmero e trabalho que vem tendo em nos querer recolocar em situações vividas, muitas das quais, sem o mérito do nosso "cronista", já nos teriam, por certo, escapado. No entanto, tenho bem presente esta viagem de comboio de Nacala até ao Catur. Só quem viveu esta situação é que acredita em todas as suas peripécias.

Manuel LIMA Silva  - De Nacala a Catur estava a ver que era preciso empurrar o comboio nas subidas, foi uma viagem divertida.

 


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