013.MANIAMBA - Operações


NOTA
Neste capítulo não pretendemos lembrar ou descrever todas as operações executadas pela nossa Companhia. Foram muitas, mesmo muitas. Aqui apenas são referidas as que se realçam mais na nossa memória ou nos nossos registos pessoais.


Intervenção em Maniamba - Função operacional
Enquanto a companhia “Checa”, instalada junto ao antigo Hospital, tinha como missão a segurança das populações e operações nas redondezas, a nossa missão de Intervenção, em Maniamba, consistia no controlo nos vales dos Rios Nossi e Messinge (o maior) e na Serra Jéci (cerca de 1700mt altitude) na detecção e destruição da organização e meios de subsistência do inimigo, captura de pessoal e material.
Neste local mantivemos a dependência do B.Caç.1936 (mais tarde do B.Caç.2895) em Catur, no contexto Administrativo e Disciplinar. Podíamos  lá ir descansar um mês, ao fim de cada período  de  3 meses, porém este procedimento não foi usado. No contexto operacional éramos dependentes do B.Caç.2853 em Macaloge.
Em cada mês, eram executadas 5 Operações, com  duração de 3 dias (60 a 72 h), envolvendo pelo menos dois Grupos de Combate.
Normalmente decorriam sistematicamente durante vinte dias, para possibilitar um pouco de descanso entre elas. Realizadas as 5 operações aliviávamos durante 10 dias.

MANIAMBA - Zona operacional.
MACALOGE - Dependência hierárquica operacional.
CATUR - Dependência hierárquica Disciplinar e Administrativa. 
VERMELHO Locais de acção - AZUL locais de contacto e/ou dependência
Aquartelamento de Maniamba
Imagem satélite MANIAMBA-RIO MESSINGE-SERRA JÉCI



PRIMEIRA OPERAÇÃO 
Ao que parece a zona que nos foi atribuída não seria patrulhada há mais de dois anos. Esta operação, como todas as seguintes, foi efectuada na zona do Rio Messinge ladeado por montes no lado norte e a Serra Jéci a sul.

Operação Koscina 1 – Iniciada em 01.Jul.69
O guia era um antigo operacional Frelimo e machambeiro pelo que conhecia bem aquela zona. Nesta operação deparamo-nos com machambas enormes de mandioca, milho, feijão, etc. e um pequeno aldeamento. Destruímos 30 palhotas, 4 celeiros de milho e as machambas como pudemos. Enquanto decorria esta acção ouvimos a voz de uma mulher. Ao encontro da voz deparamos com outra machamba enorme e um grande depósito de milho. Destruímos o possível e apanhamos a mulher e uma criança. Fomos ouvindo tiros com frequência vindos do cimo dos montes, mas não muito perto. Agora, o mais complicado, seria atravessar o Rio Messinge com uns 25 mts de largura, naquele local. Embora a altura não fosse muito superior a 1 mt a corrente era muito forte e o leito muito irregular. Os tiros foram desaparecendo e, com a maior prudência, atravessamos o rio.
Regressamos no dia 4. Missão cumprida.

Mato
Machamba (1º plano Mandioca 2º plano Milho)
Rio
OPERAÇÃO KOSCINA 2
Acabaram de chegar o 1º e 2º grupos nomeados para esta operação que decorreu entre 6 e 8.Jul.69 Depois de destruírem 17 palhotas, uma enorme machamba de feijão, capturaram 3 granadas de canhão sem recuo. No regresso e já em andamento nas viaturas tiveram uma forte emboscada. No acampamento ouvimos os rebentamentos de bazucadas. Felizmente conseguimos repelir o inimigo. Tivemos um ferido ligeiro.
 
Granadas de canhão sem recuo
Reacção à emboscada (foto da Net)


Comentários
Acácio Tomás - A propósito da emboscada sofrida no regresso da Op.Koscina 2, quero acrescentar que, terminada a nossa missão do outro lado do Rio Messinge atravessámo-lo por cima de um tronco, pois a corrente era fortíssima. Esperámos pelas viaturas que nos vinham recolher e iniciámos o regresso. Ao chegarmos à subida aqui fotografada, mas com a picada seca, a 1ª viatura parou porque viu um papel, seguro com uma pedra. Era propaganda do inimigo. Começou uma discussão sobre se esse papel já lá estava quando eles tinha passado e resolveram ir à 2ª viatura, onde eu vinha, trazer-me o papel. Era isso o que os nossos inimigos pretendiam! Identificar onde ia o Comandante da coluna! O nosso cansaço era grande e a dúvida, levou-me a mandar seguir as viaturas.
Quase no cimo da subida ouviram-se DOIS tiros e entrámos numa zona plana, com capim relativamente alto. O alvo era quem ia na 2ª viatura! Eu só ouvi os rebentamentos quando as granadas explodiram no fundo do vale, à minha direita. A emboscada estava montada à esquerda a uns 70 metros da Picada. Alguns militares disseram-me que uma Granada passou pela frente e outra por trás do Unimog em que eu ia. Reagimos rapidamente. Alguns fugitivos iam com a arma sobre o ombro a disparar. O ferido ligeiro foi um Cabo (Moita?). Estava próximo do Unimog onde seguíamos e foi um pequeno estilhaço de uma bala que fez ricochete numa árvore próxima. Uff!!!
Ex-Comandante da C.Caç.2418.




OPERAÇÃO SAGRES 1
Saímos no dia 1.Ago.69 para mais uma operação tendo como guia a mulher que capturamos no dia 1.Jul que nos conduziu a uma machamba enorme, entre dois montes, com um pequeno aldeamento. 
Na aproximação detectamos a presença de pessoal armado. Colocamo-nos em linha e… FOGO!!! Eles retorquiam ao mesmo tempo que fugiam. Conseguimos atingir um deles, que morreu, e capturar a sua arma (espingarda Simonov) assim como duas mulheres, um rapaz e uma criança. Destruímos 20 palhotas e outra enorme machamba de feijão. No regresso fomos perseguidos por intenso tiroteio e bazucadas até à chegada ao rio Messinge. O tiroteio desapareceu mas o medo ficou até ao regresso definitivo no dia seguinte.

Mato
Feijão
Aldeamento
Esspingarda Siminov

MINA - 14.Ago.69
O objectivo era a Base de Maniamba na operação Sagres 3. Os nossos guias eram uma das mulheres e o rapaz capturados no dia 1Ago. Devido à falta de viaturas tínhamos que ser transportados por duas vezes e uma das viaturas foi emprestada pela companhia local (que guerra ridícula). O 4º Grupo iria na segunda viagem e tinha como missão o assalto à Base e sua destruição. Passados 20 minutos, depois da saída da primeira coluna, ouvimos um grande e medonho estrondo e logo pensamos… UMA MINA. Efectivamente… foi uma mina com uma potência fabulosa explodindo na roda traseira esquerda da segunda viatura, que a elevou bem alto e a projectou para fora da picada, assim como todo o pessoal que nela seguia. Os companheiros ocupantes da viatura foram projectados a muitos metros de altura caindo desamparadamente ou projectados a longa distância, contra às árvores. De repente fomos confrontados com mortos e feridos, alguns muito graves. A intensidade da Mina poderá ser avaliada pelo facto de havermos encontrado pedaços do estrado e do pneu a cerca de 100mts do local de rebentamento.

A operação foi cancelada.

Com o resultado trágico e avassalador de 3 mortos e 14 feridos, sendo destes 4 nativos.
De imediato improvisando e utilizando todos os recursos que tínhamos, e ainda com a ajuda de um cantineiro, os feridos são levados para um armazém, transformado em enfermaria e morgue temporária. Foi também accionada a recolha, por via aérea, dos feridos muito graves (era impraticável a hipótese de os transportar até Vila Cabral que estava a 90Km e que demoraria umas boas 20 horas). O transporte aéreo não estava autorizado a transportar os mortos mas conseguimos evacuá-los por esta via com o rótulo de “feridos gravíssimos” (que faleceriam durante a viagem).

Foi uma tragédia e um grande sofrimento para os que sobreviveram e para todos nós. 

3 MORTOS: António Leite COSTA de V. N. Famalicão; António Manuel FERREIRA de Mirandela e LINO Ribeiro da Silva de Guimarães.
14 FERIDOS: Ribeiro, Riquito, Reis, Brás, Patilhas, Barbosa, Lima, Cunha, Teixeira, Matos e 4 nativos. 
3 dos feridos foram evacuados para a Metrópole: Ribeiro (cara e perna desfeitas); “Riquito” Joaquim António (partiu a coluna e ficou paralítico); Lima (lesões graves no braço, ombro, coluna e vértebras).

Comentários

Fernando Carvalho - Momento amargo e inesquecível da nossa história. Este vídeo também nos lembra como os nossos governantes valorizavam o TRIBUTO DO NOSSO SANGUE em prol de um património que já não deveria ser nosso.

Maldonato Neto - Passagens da história da nossa FAMILIA C.CAÇ.2418 que permanecem sempre na nossa memória, no nosso contínuo pensamento que não nos larga nem um momento.

Acácio Gomes Tomás - Eu estava preparado para partir e, se as viaturas chegassem para todos, iria na 2ª viatura, como costumava. A 1ª (rebenta- minas) ia mais protegida, com sacos de areia, dentro e fora da cabine e também, a servir de assento a alguns militares, na carroçaria... Ao ouvir o rebentamento, como não tinha viaturas militares, pedi a um Cantineiro uma camioneta e "arranjei um Condutor forçado". Ao encontrar um Unimog com feridos e com as informações obtidas, regressei no Unimog, mandando seguir o camião. Havia que pedir a rápida evacuação aérea dos feridos. O Cabo Costa vinha deitado no banco do Unimog. Consciente e sem ferimentos visíveis, mas com grandes queixas. Com as minhas pernas a servirem de almofada, ele disse-me o que eu nunca mais esquecerei: "Capitão! Mande parar o carro... Eu não aguento mais. Quero morrer aqui! "Procurei animá-lo e ao chegar ao acampamento entreguei-o com vida no Posto de Socorros improvisado... Fui para o posto de rádio para enviarmos as mensagens. O médico da outra Companhia veio ajudar, mas o mal era de morte. Tinha fractura do Baço... Foi a queda que o matou. Houve um outro Cabo (não sei o nome) que me disse: " Quando me vi acima das árvores pensei que nunca mais chegava à terra "... O tempo passará, mas isto nunca esquecerei. O dia terminou acompanhando na DO, os três "feridos gravíssimos ", segundo as NEPs !!! 

Fernando Carvalho - Volto a este tema. Ainda hoje estive a falar com o LIMA (Manuel da Silva) um dos feridos graves e evacuados para a Metrópole. E volto ao tema para referir e relembrar o Aerograma do Major Beirão do B.Caç.1936-Catur, enviado ao nosso Capitão, manifestando o seu pesar e o apareço pelo trabalho desenvolvido pela nossa companhia. NÃO ME LEMBRO de ver junto das nossas tendas de Maniamba o sr. comandante do B.Caç.2853-Macaloge, (nosso comandante operacional) nem conheço quaisquer manifestações de pesar e/ou de solidariedade deste senhor, sobre aquele trágico dia. LAMENTÁVEL! Se estou enganado então não fui ou não fomos informados. 

Acácio G. Tomás - Caro F. Carvalho: De facto não viu nenhuma mensagem afixada, mas recordo ter recebido mais do que uma, nessa ocasião de luto. Penso que até do Comando do Sector. Do mesmo modo, noutros momentos chegaram mensagens de apreço. O pessoal das transmissões talvez possa recordar alguma. O Sr. Comandante do 2853 só foi a Maniamba uma vez , por breves minutos. Não saiu da pista , pois ia buscar-me na D.O. para orientar as NT numa operação. Um abraço

Acácio G. Tomás Caro Amigo Fernando Carvalho: Ainda em relação a este seu comentário eu volto também ao tema. As mensagens que eram recebidas na Companhia, quase todas tinham carácter Reservado ou até Confidencial. Pode ter sido falta minha ter esquecido de dar conhecimento dalguma delas, tanto das de pesar como das de apreço. Claro que podia ter recebido um Aerograma pessoal, como fez o saudoso Amigo, Sr. Major Beirão. Mas com a sensibilidade e amizade dele, havia poucos... No entanto, quero deixar claro que do breve contacto pessoal que tive com o Sr. Coronel Abreu fiquei com impressão de ser um Militar competente, informado, sabedor e atencioso... Mais tarde, num 10 de Junho vi-o receber uma das mais altas Condecorações Militares (Torre e Espada). Mas fazer uma visita propositada a Maniamba nunca podia ser "reclamada". Viagem em viaturas?  Para quantos dias e com que Escolta? Só se fosse com uma DO, mas essas nem chegavam para serviços operacionais! Razões de queixa, tenho eu de quem Comandou o Quartel (BC10-Chaves) onde a C.Caç.2418 foi formada, que recebendo cópia das nossas Ordens do Dia, relatando os factos ocorridos (sucessos e insucessos), NUNCA teve tempo, durante dois anos, para nos mandar uma simples mensagem! E o comportamento à nossa chegada à Estação (de Chaves), cerca das 03 horas da manhã, sem ninguém à nossa espera e ter sido necessário um grupo de voluntários ir ao Quartel avisar o Oficial de Dia para acordar os Condutores e nos ir buscar. Para rematar, no final do Dia, deixou sair o Sargento que tratou do Espólio das Praças e não me deixou sair nem ao Fernando Lopes! Devia estar com medo que eu pregasse o calote dos escudos que as Praças tinham de pagar (e por quem eu tinha assumido o pagamento). Nada o demoveu, tive de mandar embora uns cunhados que, do Porto, me tinham ido buscar. Pouco dormi e chorei de raiva. Essa a razão que me levou a jurar que nunca lá voltaria, apesar das pessoas não serem as mesmas. Um abraço do amigo, Acácio Tomás 

Este acontecimento, que marcou intensamente toda a companhia, foi relembrado em 2015 (15Ago) - 46 anos - no FaceBook e neste Blogue (na página de abertura). Transcrevemos os comentários recebidos após publicação desta memória:

José Diegues Cada dia me invade mais a tristeza e poder contar e recordar que eu estive nessa viatura para fazer a viagem da morte? E como enfermeiro do grupo do Neto ele mesmo me mandou baixar porque somos o grupo de assalto e vamos na segunda coluna, por não haver viaturas suficientes para todos. O recordo, mas comento muitas vezes: a Deus obrigado e Deus tenha na sua paz os três amigos, colegas e companheiros. Q.D.E.P. (15.08.2015)

Carlos Silva (Amigo da CC2418) - Com toda a propriedade, podia ser a foto de capa tanto da 2418 como da quase totalidade das Companhias que viveram a Guerra Colonial. Poucas ficaram imunes a esta sorte. Mas quem, entre "os que mandam", sabe ou quer saber do que lá se passou? Para esses, a GC já não é mais que um capítulo incómodo da História. Para nós, são feridas que nunca hão-de cicatrizar, se não por nós, com certeza pelos camaradas que perdemos, Homens que o país sacrificou a uma guerra que não era deles, e a seguir esqueceu, vivos ou mortos. (15.08.2015)

Fernando Carvalho - Sou dos que ficaram no aquartelamento (4º Grupo de Combate) aguardando as viaturas para a 2ª viagem. Momentos de dor e sofrimento especialmente à medida que recebíamos os feridos e os tentávamos ajudar a apaziguar as suas dores. Nunca senti tanta impotência. 15.08.2015)

Manuel Costa (Amigo da C.Caç.2418) - É bom ver publicados estes testemunhos, para que a história não seja esquecida e evitar que um dia apareça por aí algum iluminado que diga que a guerra do ultramar foi uma invenção. A minha homenagem aos valorosos Combatentes desta e de todas as guerras! (15.08.2015)

Daniel Ferreira Pinto (Amigo da C.Caç.2418) - E de momentos trágicos como este, se escreveu muita da história dos nossos valorosos jovens das dec.60 e início da de 70. Eu estava no Catur, é claro que soube. (15.08.2015)

João Balagueiras - Eu ainda tenho bastante presente essa tragédia, pois ia na viatura acidentada. Lamento os mortos e feridos, a descrição do acontecido parece-me correcto. Oh. SILVA tanto quanto me lembro, tu ias na viatura da frente ou rebenta minas? (15.08.2015)

Fernando Lopes - Estes acontecimentos ocorreram quando eu me encontrava a passar 1 mês de férias na Metrópole. Só quando de regresso, ao passar pela Beira, é que tive conhecimento desta enorme tragédia. Fiquei cá com uma "raiva" de morte! Paz aos nossos amigos que tombaram e muita saúde aos demais envolvidos nesta operação. (16.08.2015)


Acácio Tomás - Uma informação que reforça o nosso azar: A Berliet que pisou a Mina era a emprestada e ia em 2º lugar... A que ia à frente, a " Rebenta - Minas ", era nossa e ia muito mais protegida, com sacos de areia sobre os guarda-lamas, na caixa de carga e junto aos pedais do condutor... Levava menos militares. A lama existente camuflou a "instalação" e ela passou sem novidade, por ter descrito uma pequena curva, naquele local. A seguir deu-se a tragédia... Ouvi o estrondo na nossa Base. Saí e encontrei-me com o Administrador (de Robe) e adivinhámos a Mina. Como não havia mais viaturas militares, " mobilizei" um camião de um Cantineiro e dei carta a um Cabo Mecânico (Barreira) para o guiar. Quando encontrei a 1º Unimog, mudei para ele, de volta para a Base. O Cabo Costa vinha deitado no banco, com dores horríveis, mas consciente e sem ferimentos visíveis. Amparei-lhe a cabeça nas minhas pernas e procurei animá-lo. As dores eram tais que o levou a pedir-me: - " Capitão, eu não aguento mais! Mande parar o Unimog que eu quero morrer aqui.”. Ainda o entreguei com vida no Posto de Socorros. Depois fui pedir a evacuação e comunicar a suspensão da Operação... Imagens que nunca mais se apagarão... (16.08.2015)


Acácio Gomes Tomás

Ontem, dia 14 de Agosto de 2017, completaram-se 48 anos sobre o trágico acidente com a Mina anticarro. Tentei assinalar esta data deixando aqui uma msg mas um problema de autenticação,impediu a publicação. Falando com o autor do Blogue, o amigo Fernando Carvalho, ele ensinou o que eu já tinha esquecido. Por isso, quero repetir aqui as minhas saudades por todos os militares envolvidos no acidente e perderam a vida, bem como os que sofreram ferimentos que lhe provocaram grandes mazelas e até, a morte precoce e ainda todos os outros ex-militares da 2418 que já faleceram. 
Acácio Gomes Tomás - 15/08/17, 19:47



AEROGRAMA

 


Este aerograma foi escrito quando a C.Caç.2418 estava em Intervenção, desde finais de Junho de 1969, em Maniamba-Niassa e já  não dependia, operacionalmente, do B.Caç.1936, mas sim do B.Caç.2853-Macaloge.
Do texto deduz-se que o Sr. Major Beirão mo escreveu em Vila Cabral, depois de ter estado no Sector, a tratar de outros assuntos e a comentar o azar da C.Caç.2418.
Foi escrito quinze dias depois da nossa Companhia ter sofrido um acidente terrível com uma Berliet que accionou uma Mina anti-carro, muito reforçada, que provocou a morte de 3 Militares e 10 Feridos, dos quais três muito graves e evacuados para a Metrópole. 
As palavras do Sr. Major Beirão mostram, para além da estima e do reconhecimento do nosso trabalho, o Homem e o Militar que ele foi.  
O Ex-Cmdt da C.Caç.2418, Acácio Gomes Tomás.


Para facilitar o acesso ao conteúdo do Aerograma transcrevemos o mesmo:
Para:              Capitão Acácio Gomes Tomás           SPM 4624
Remetente:  A.Beirão                                                 SPM 9644  
SPM 9644, 29 Ago 69                                                                                 
Meu caro Tomás:
Desculpe não tratá-lo por Doutor. Para mim é o Tomás, um amigo que um dia encontrei em África a cheirar a “checa” e que em 27 Fev deixou de o ser graças a “S.Jorge Z “; para mim é o Tomás que eu muito considero e estimo.
Há bastante tempo que pretendo escrever-lhe. Bem sei que as minhas palavras não remediarão nada. Não recuperarão um morto; não darão alívio a um ferido; não evitarão o sofrimento dos vivos. Bem sei tudo isso mas quero escrever-lhe. Sinto obrigação de escrever-lhe. Todos esses rapazes da 2418 foram do 1936 e eu, sendo 1936, tenho na alma um cantinho para cada um de vós. Senti o vosso azar. Não chorei com os olhos, os vossos mortos; Mas tenha a certeza que os chorei com a alma, tanto quanto devemos chorá-los (Que para além de certo limite não vale a pena chorá-los, mas ter-lhes inveja por quanto foram e são).
Além deste extravasar de afeto queria dizer-lhe que tendo vindo ao SECTOR, estive a falar de vós, da 2418. E quero transmitir- lhe, para o animar mais e aos seus rapazes, o excelente CARTEL que a Companhia aqui tem. De todas as que estão em funções semelhantes à 2418, a vossa é de LONGE A MELHOR … São ELES que o dizem, repare... E eu o ouvi com muito agrado, tanto que me leva a comunicar-lho. Claro que eu ainda interferi na conversa dizendo: Pudera! Pertenceram ao 1936, como é que queriam que não fossem bons!…
Aqui lhe ficam, pois, as minhas felicitações, traduzidas num grande abraço para si e para os seus rapazes. Também já sei que dentro em pouco (no final desta intervenção) ireis recuperar, parece-me que um mês ou quase, lá no Catur. Lá vos espero, procurando ajudar-vos a recuperar as forças físicas e espirituais (que ambas são extraordinariamente precisas), na conjuntura que vivemos. E por hoje é tudo. Desejo que receba boas notícias de toda a Família.
Um abraço para os seus alferes, saudações para os seus Sargentos e praças. Para si, meu caro Tomás, um abraço do “ velho” amigo (talvez amigo velho…),
Artur Beirão
 

OPERAÇÃO MICAS 1
A destruição da Base de Maniamba assim como a captura de operacionais e seu armamento continuou a ser o objectivo da nossa missão.
O Comando da Macaloge ordena a execução da operação MICAS 1 para o dia 3.Set.69 e convoca o nosso Capitão Tomás, a ser recolhido na pista de Maniamba nesse mesmo dia, com o objectivo de apontar aos nossos grupos a localização da Base.
Foram envolvidos 3 Grupos de Combate. Não estávamos seguros da localização, embora a zona já nos fosse conhecida com base nos nossos patrulhamentos anteriores e pistas fornecidas resultantes de outras operações, pelo que a abordagem merecia muitos cuidados.
Foram envolvidos 3 Grupos de Combate.
Chegamos no dia anterior e descansamos já perto da zona do objectivo.
Ao nascer do dia retomamos a caminhada e fomo-nos aproximando do local possível do objectivo. O acesso era muito cerrado, estreito e sem escapatórias, ao longo da margem esquerda de um pequeno rio, afluente do Rio Messinge (o que elevava o risco da operação). O 4º Grupo tinha como missão o ataque directo ao objectivo (grupo de assalto), o 1º Grupo guardaria a entrada daquele acesso evitando surpresas pelas costas e asseguraria a retirada após o ataque (grupo de recolha) e o 3º Grupo ladeava o dito afluente, na mesma margem, no alto da encosta e em frente à suposta localização da base, protegendo uma eventual retirada emergente (grupo guarda de flanco).
Estava montada e preparada a estratégia, com dois grupos em missão de apoio e o outro em ataque directo ao alvo. Entretanto surge a DO, com o Cmtd do Batalhão, acompanhado do nosso Capitão Tomás e informa, via rádio, que vai aparecer pela nossa rectaguarda, voará na direcção do objectivo assinalando este e regressará breve (segundo sabemos iria levar o Cmdt Batalhão a Macaloge). A DO depois desta manobra retirou-se. Esta presença terá alertado o inimigo e fazendo com que este abandonasse a Base, agora de localização mais identificada, dando-lhe a oportunidade de a abandonar, organizar-se e exercer um ataque às nossas forças. Não houve reacção imediata mas foram detectados movimentos do inimigo na zona superior ao local da Base. Entretanto ressurgiu a DO que, a pedido, disparou por duas vezes, dois roquetes sobre o inimigo em movimento. Por escassez de combustível a DO teve que se retirar e, no instante seguinte, sofremos um ataque de tal modo intenso e organizado, de tiroteio e bazucadas sistemáticas a que se seguiu o apelo das nossas forças, via rádio (banana) “FOGO É MATO, VENHAM JÁ DOIS BOMBARDEIROS” ouvido ainda pelo piloto da DO e transmitido à Base de Vila Cabral. Foram momentos de grande nervosismo e tensão dado que nunca havíamos enfrentado uma acção tão forte e organizada do nosso inimigo. A sensação que de todos fica muito próximo do medo, desespero e até o “fim de linha”. Dois T6 apareceram nos minutos seguintes e sob orientação dos apeados foram sobrevoando as NT e a encosta onde se situava a Base, assim como o topo do morro onde o inimigo se havia instalado. Mesmo sem bombardeamento o inimigo foi intimidado pela presença dos T6 abandonando o tiroteio. O apoio aéreo deu-nos uma relevante vantagem operacional, afastando o inimigo daquele local, pelo que ainda foi possível a destruição daquela Base de Maniamba, com cerca de 30 palhotas quase todas novas (pelo que seria uma implantação recente), uma machamba anexa e grande quantidade de alimentos (feijão, milho, batata doce, etc.). Os T6 apoiaram a nossa saída daquele local até ao Rio Messinge tendo sido dispensados após a sua travessia.
Todos os militares presentes nesta operação lembram este momento de tensão que, segundo alguns, lhes chegou ao pensamento de mais um momento trágico da nossa missão.
Problemas de comunicação impediram de informar o comando, no aquartelamento, da situação ocorrida e felizmente resolvida.
Não houve feridos.




Comentários
Maldonado Neto - Teríamos sido detectados devido à presença da DO. O piloto já de saída do local, por falta de combustível, ainda conseguiu ouvir (por sorte nossa) o apelo “fogo é mato mandem já 2 bombardeiros”, senão fora isso iria ser uma chacina.
O inimigo fugiu costa a cima. Os bombardeiros sob minha orientação acompanharam a NT e apoiaram a retirada até ao Rio Messinge. Do inimigo muito fogo de espingardas e bazucadas até à chegada dos T6.

Freitas - Chegamos no dia anterior e dormimos já perto da base e ao amanhecer avançamos.
Durante o tiroteio do inimigo eu e o Almeida juntos sentimos muito perto o rebentamento de duas bazucadas e dissemos um ao outro: “se temos que morrer, tanto faz aqui como noutro sitio qualquer”. Foi um momento de grande receio e pouco de esperança. Muito fogo de espingardas e bazucadas.


Rui Baptista - A base estava perto do rio Messinge e foi completamente destruída. Penso que as coisas não correram exactamente como o esperado e por isso tivemos que pedir apoio aéreo e fomos apoiados por 2 T6. Nunca estive exposto a um potencial de fogo como nesse dia.

Acácio Tomás - A Dornier que sobrevoou as NT, para além do Piloto e Copiloto, levava o Coronel Abreu, Comandante do B.Caç.2853 e eu próprio, que tinha embarcado em Maniamba. Sobrevoou as nossas tropas, tendo entrado em contacto com elas via rádio, e sinalizando o caminho a seguir para o Objectivo e avisou que voltaríamos em breve.  Fomos a Macaloge deixar o Sr. Coronel e regressamos para a parte final da Operação. Entrando em contacto via rádio, foi-nos dito que tinham avistado um homem armado, dirigindo-se para a encosta, próxima do Objectivo. A pedido dos apeados, a Dornier efectuou, duas vezes, dois disparos de “foguetes”. Não houve reacção do inimigo. O Piloto anunciou-me que, por falta de combustível, tinha de me levar a Maniamba e regressar a Vila Cabral – “tínhamos de ir embora” disse.
Ao iniciarmos o regresso é que começou o tiroteio e o Operador do Rádio disse: FOGO É MATO”. Eu disse ao Piloto para pedir de imediato APOIO AÉREO (os tão apregoados FIATS, mas vieram os T6) e regressei a Maniamba onde fiquei até ao dia seguinte, ansioso e sem qualquer informação sobre os nossos homens e resultados. Só soube notícias quando chegaram no dia seguinte. Disseram-me os T6 os acompanharam até atravessarem o Rio Messinge (as comunicações com a Maniamba eram impossíveis).

Obs: Não temos imagens desta operação


OPERAÇÃO MINI 3
A 25.Out.69 iniciámos uma operação com vista à destruição da nova Base de Maniamba. Seguindo o guia, numa longa caminhada, chegámos ao local e avistámos o aldeamento e, de seguida, fizemos uma aproximação muito cuidada. O local estava abandonado mas com vestígios de utilização recente (cinza quente). Teríamos sido detectados. Foram destruídas as 12 palhotas existentes. Regressamos dia 27.Out. 
Palhotas

OPERAÇÃO LOLA 2
De 17 a 19.Nov.69 numa operação de patrulhamento e detecção do inimigo foi encontrada e levantada uma mina anticarro, reforçada com 3 granadas de morteiro 82.
Nota:
Este procedimento passou a ser proibido, devido aos azares ocorridos em alguns levantamentos, por estarem armadilhadas. 



Nov.1969 - OPERAÇÃO ULTRAPASSAGEM 
Durante este mesmo mês estivemos envolvidos em duas grandes operações (Rucilho e Ultrapassagem) a nível de Batalhão.
Na nossa lembrança ficaram marcados alguns momentos da Operação Ultrapassagem em que foram envolvidos importantes meios. Eram 7 as companhias espalhadas pela  Serra Jéci e arredores. A C.Caç.2418 instalada num dos morros tinha a função de posto intermediário nas comunicações entre o Comandante do Batalhão de Caçadores 2853, de Macaloge, (nome de código Kelly) que dirigia a operação num avião da Força Aérea  “Dornier DO”, e as Companhias em acção de ataque.
Estávamos num monte muito alto. Para sul avistava-se um grande vale seguido da enorme Serra Jéci, com cerca de 1700 metros de altitude (depois da Serra Jéci ficava Unango).
Durante a noite choveu imenso e com os nossos “panos impermeáveis” improvisámos tendas para abrigo do pessoal e do material.
Na manhã seguinte, com a ajuda do nosso rádio AN GRC 9  ouvimos  o Comandante comunicar que tinha avistado umas TENDAS  no cimo dum monte que iria sobrevoar e dar sinal com as asas... Atentos ao movimento da DO, vimos com surpresa e preocupação, assinalar a NOSSA POSIÇÃO.  (ÉRAMOS NÓS O ALVO!)
Antes que a DO começasse a metralhar-nos,  o Cap. Tomás interrompeu “via rádio” dizendo: ATENÇÃO KELLY, ATENÇÃO KELLY, essa  é  a posição do INFERNO! (claro que INFERNO era o nosso nome de código e muito sugestivo).
Pouco depois avistámos,  quase no fundo do vale, uns homens armados subindo a outra encosta. Era muito longe e não fazia parte da nossa missão, abrir tiroteio. 
Não sabemos quem o começou, mas eles atiraram e forte...  as balas batiam nas árvores e faziam ricochete, mas sem consequências. Menos de meia hora depois, houve tiroteio a sério, na encosta contrária. Não sabemos das consequências pois não tivemos notícias, nem acesso ao Relatório.

Zona de accção da Companhia



Comentários
F.Carvalho - Da Operação Ultrapassagem curiosamente não tenho registos mas, na minha mente, tenho essa cena de estarmos no topo de um monte como “apoio” das companhias em ataque. Também ouvi o tiroteio e subi para uma pequena rocha procurando a origem do mesmo e, num momento, senti uma rajada a zumbir à minha volta e de ter dado um grande salto de costas. Lembro-me de me ter apalpado todo à procura de ferimentos. Os companheiros que estavam comigo também recearam que eu teria sido ferido. Felizmente nada!

A foto abaixo foi tirada no local apos cessar o tiroteio
Local da rajada e ao fundo a Serra Jeci


Regresso da operação
A chuva tinha sido muito intensa e as picadas lamacentas dificultavam o trabalho dos condutores. Apesar da boa potência das viaturas, especialmente das Berliets, os obstáculos eram muitas vezes complexos e difíceis.
Foram muitas as situações
Algumas foram mesmo muito difíceis. As imagens que seguem demonstram um momento não só complexo para conseguir subir aquele local como também a exposição a um eventual ataque inimigo.
Tinha chovido muito e as viaturas não conseguiam subir uma rampa, pois as rodas giravam em falso. Os pneus derretiam a borracha. A solução era arranjar um tapete de ramos das árvores para conseguirmos subir. Nesta situação concreta, a retomada do andamento da coluna, deverá ter demorado uma hora. 
Ao longe há outras viaturas que, para além da distância estratégica exigida, esperava sua vez de avançar.





Comentários
Acácio Tomás - Chamo a vossa tenção para o "nevoeiro" que se vê à esquerda da viatura. Algum seria do escape, mas também dos pneus que rodavam em falso, derretendo a borracha.
Os meus cumprimentos para os visitantes desta página.
Ex-Comandante da C.Caç.2418





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